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Carta para você que odeia o seu corpo

Oi, tudo bem?


Faz um tempo que estou querendo escrever esta carta pra você e confesso que não tem sido fácil pensar sobre este assunto de forma tão crua, mas acho que chegou o momento de ser sincera comigo e com você.


Eu sei como você está se sentindo neste momento, eu tenho 31 anos e passei boa parte da minha vida odiando o meu corpo em função do meu peso. Minha primeira lembrança de autorejeição é de uns 7 anos de idade quando conheci o bullying no colégio e vindo de parentes.




Foi o dia que olhei no espelho, pensei "eu me odeio" e segui assim, rejeitando a mim mesma até meus 25 anos quando consegui emagrecer 40kg e passei a amar cada pedacinho de mim.


"Consegui! Agora eu posso dizer que me amo, posso dizer que sou bonita" pensei erroneamente associando amor próprio ao peso que eu carregava.


Essa lua de mel durou dois anos, eu pensava que ninguém ia me segurar porque agora eu amava meu corpo, mas a vida acontece, não é mesmo?


A vida ensina.


Inúmeros acontecimentos começaram a me fazer engordar novamente, gradualmente e lentamente 20kg, mas dessa vez eu não me permiti a autorejeição, não me permiti me odiar.



Pow! Assim mesmo!


Continuei me sentindo bonita, usando as roupas que queria e botando a barriga de fora e a cara no sol não importasse o que eu ouvisse das pessoas na internet ou na rua. (ahhhh a maravilhosa experiência de um estranho gritar "AEEE O GOOOORDA" de dentro de um carro passando apenas porque você ousou existir naquela calçada naquele momento)


Mas agora, vou ser sincera com você assim como espero que você também seja.


Não importa o quanto nos sintamos bonitas/bonitos com looks incríveis, makes ousadas e etc, ser gordo é ruim, ser gordo cansa e isso nada tem a ver com autoestima ou padrões inalcançáveis de beleza da sociedade.


Nada que vou falar a seguir tem a ver com opinião alheia ou roupas pequenas, cadeiras de plástico, catracas ou outros desconfortos de infraestrutura urbana.


Meu corpo gordo me faz cansar mais rápido, dormir pior, sentir mais calor e suar mais. Meu corpo gordo me deixou preguiçosa, fugindo de escadas e sem disposição pra nada que envolva muito esforço físico.

Meu corpo gordo deixou minha vida menos funcional, minhas coxas me machucam e me incomodam porque grudam quando estou deitada pra dormir, minhas dobras me deixam desconfortável fisicamente, são pedaços esquisitos, é como se eu tivesse membros além dos meus braços e pernas que tenho que acomodar constantemente para me sentir minimamente bem.

Meu corpo gordo deixa minha pele desconfortável, esticada demais, com a sensação de que em breve eu vou literalmente explodir, aí quando eu percebo que meu corpo está se organizando para aguentar a gordura a minha pele coça por estar se esticando mais um pouco e eu me sinto incomodada novamente.

E ao mesmo tempo o desespero psicológico em pensar que quanto mais velha eu estiver, mais o meu peso vai me atrapalhar e mais difícil será viver.


De novo, sinto tudo isso sabendo que sou linda e me sentindo linda. A gordura ser ruim nada tem a ver com beleza ou autoestima.


Esse sofrimento ninguém ouve e ninguém fala ou posta. É mais fácil continuar vendendo a hipocrisia de que ser gordo é maravilhoso quando não é.


E a gente sabe disso.


Amigos não mentem


Então acredite em mim, eu sei como você está se sentindo, ser gordo é uma merda mesmo.


Eu, já cansada de me sentir cansada, resolvi começar novamente a longa jornada de emagrecimento para me sentir melhor e parar de odiar o meu corpo, mesmo me sentindo bonita.


Coloquei uma meta simples: 2kg em 1 semana.


Nesta uma semana eu iria viver uma vida saudável e sem sofrimento, queria me alimentar com bons nutrientes e me divertir fazendo exercício. Quando a semana acabou, pasme, os 2kg foram embora e eu me senti a Mulher Maravilha.


"Eu vou conseguir de novo!!!" pensei, mal sabendo o que estava por vir.





Na semana seguinte, me arrumei para mais um treino, me motivei para ir para o Crossfit e saí de casa num frio de -1ºC.


Era mais um dia comum e quando estava a duas quadras do Box onde eu treino, a vida aconteceu mais uma vez.


Eu estava atravessando a rua que sempre atravessava no caminho que sempre fazia quando senti um empurrão MUITO FORTE. Tudo ficou embaçado e embora tenha durado um segundo, na minha cabeça foi um filme de uma hora.

A gravidade zerou. Eu estava flutuando. Mil pensamentos passaram pela minha cabeça.


"O que aconteceu?"

"Alguém me empurrou?"

"Eu estou voando?"

"Eu fui atropelada?"

"Meu Deus eu estou sendo atropelada!"

"Não é possível que eu esteja sendo atropelada!!!"


Caí no chão e rolei para longe, comecei a gritar e nem sabia por quê.

Eu estava toda mijada.

Não conseguia me mover.


"Eu fui atropelada?"


Sim. Fui atropelada .


Lembrei do livro de primeiros socorros que ganhei na festa junina da quarta série. Em caso de acidente de atropelamento eu não devo tentar levantar ou me mexer, devo ficar estática aguardando a equipe especializada.


As pessoas se aglomeraram em volta de mim, perguntavam mil coisas e eu ouvia apenas um zunido forte.


"Tem osso aparecendo? Eu to sangrando?" eu perguntava.


Eu estava apavorada, não calei a boca um segundo, tive ataques de riso por considerar um atropelamento a cereja do bolo dos últimos 3 anos da minha vida. Lembrei o número do telefone da minha mãe e não parei de repetir até que alguém ligasse para ela.


O bombeiro chegou.


"Oi, meu nome é Ana Maria da Silva De Cesaro, hoje é dia 5 de julho de 2019 e nosso presidente é Jair Bolsonaro (sigh)."


- Ótimo sinal. Parabéns.


Minha mãe chegou apavorada. Eu tentava acalmá-la e fazer piadas, mas a verdade é que a ambulância não havia chegado e eu ainda estava deitada no meio da rua toda torta e sem saber o que aconteceria no segundo seguinte.


Eu ainda estava em estado de choque, não conseguia acreditar que de fato havia sido atropelada.


A equipe médica chegou e em questão de segundos me colocaram na maca e na ambulância, lá estava eu a caminho do hospital e a ficha começou a cair.

Eu fui atropelada.

Quando entramos no hospital com aquela maca à máxima velocidade, enfermeiros gritando "vítima de atropelamento" a ficha finalmente caiu.


(obviamente não sou eu nessa foto, mas sempre bom esclarecer)

EU. FUI. ATROPELADA.


Neste exato momento eu senti o maior medo que já senti na minha vida e comecei a chorar demais, havia médicos fazendo exames em mim (segundo relato da minha mãe), mas eu sinceramente não lembro disso, eu estava com o pescoço imobilizado, não sentia nada, só enxergava o teto do hospital, só conseguia chorar e rezar.


"Jesus, por favor, cuida da minha coluna. Deus, por favor, não me deixa morrer"

"Jesus, por favor, cuida da minha coluna. Deus, por favor, não me deixa morrer"

"Jesus, por favor, cuida da minha coluna. Deus, por favor, não me deixa morrer"

"Jesus, por favor, cuida da minha coluna. Deus, por favor, não me deixa morrer"

"Jesus, por favor, cuida da minha coluna. Deus, por favor, não me deixa morrer"

"Jesus, por favor, cuida da minha coluna. Deus, por favor, não me deixa morrer"

"Jesus, por favor, cuida da minha coluna. Deus, por favor, não me deixa morrer"

"Jesus, por favor, cuida da minha coluna. Deus, por favor, não me deixa morrer"

"Jesus, por favor, cuida da minha coluna. Deus, por favor, não me deixa morrer"

"Jesus, por favor, cuida da minha coluna. Deus, por favor, não me deixa morrer"

"Jesus, por favor, cuida da minha coluna. Deus, por favor, não me deixa morrer"


O médico me encaminhou para fazer Raio X, perdi a conta de quantos foram, só sei que foram do corpo todo e de todos os ângulos possíveis, mas tudo ainda deitada e sendo manuseada por enfermeiros.


O motorista que me atropelou chegou e perguntou "fizeram raio-x da cabeça dela? Ela bateu a cabeça".


"Eu bati?!" eu não lembrava e ainda não lembro disso.


Ele disse "sim! Você quebrou o para-brisa do meu carro com a sua cabeça, façam um raio-x na cabeça dela!"


Então o médico diz "para fazer o raio-x na cabeça vocês podem levá-la na cadeira. Ela está bem." e um enfermeiro me colocou na cadeira de rodas para pegar o elevador e voltar até o terceiro andar.


Ao sentar na cadeira de rodas eu não conseguia parar de chorar de desespero, porque este poderia ter sido o meu destino e eu não sei se teria força pra ser cadeirante. Só quem é muito foda é cadeirante. Eu definitivamente não conseguiria.


Resumindo: Fui atropelada, sobrevivi, não quebrei nada e não tive sequelas. Foi um milagre.


Por que eu te contei tudo isso nessa carta? Pra chegar ao momento da moral da história que é agora, então bora resumir?





Ser gordo é uma merda? Sim.

Ser gordo é ser feio? Não.

Ser gordo te impede de fazer exercícios? Não.

Ser gordo dificulta fazer exercícios e atividades básicas como subir escadas? Sim.

Ser gordo é motivo pra odiar o próprio corpo? COM CERTEZA NÃO.


E eu infelizmente tive que ser atropelada pra aprender isso.


A vida acontece. A vida ensina.


Quando eu estava naquela loucura de ambulância, enfermeiros, médicos e exames eu nem lembrava do meu peso e quem estava em volta de mim também não estava preocupado com isso. Eu só queria saber se ia sobreviver e só queria saber se conseguiria andar.


Depois de 30 dias de recuperação (afinal eu fiquei bem machucada e dolorida) eu finalmente pude fazer exercícios de novo e confesso que terminei minha primeira aula chorando de felicidade por estar conseguindo pular corda.


Isso significa que eu vou desistir de emagrecer o peso que engordei pelos estresses que passei? Com certeza não.


Isso significa que não tenho mais pressa, significa que meu peso deixou de ser o eixo central da minha felicidade.


Significa que quero emagrecer no tempo que for necessário pra isso, sem me torturar passando fome ou me obrigando a treinar todo santo dia se eu não tiver vontade.

Significa que quero voltar a fazer exercícios para me divertir.

Significa que não quero mais nem cogitar a possibilidade de mutilar um órgão vital meu para emagrecer logo (sim, eu cheguei a pensar nisso), sendo que eu não tenho o preparo psicológico para tudo que a famosa cirurgia bariátrica engloba.


Significa que quero voltar a ter uma vida saudável porque é bom ter uma vida saudável e um corpo saudável.


Então, se eu pudesse olhar nos seus olhos e dizer "por favor, não odeie o seu corpo. Mesmo gordo, ele é tudo que você tem" eu faria, mas como eu não posso, me contento com essa carta.


Dê valor para cada dia da sua vida, para as mais simples bençãos como poder se locomover sem impedimentos, tomar banho em pé e sem auxílio, alimentar-se sozinho, falar, ver, ouvir, raciocinar, se comunicar e etc.


Não odeie o seu corpo. Ele é perfeito e funcional.


Se você quiser perder peso não faça por pressão estética, a beleza nada tem a ver com o seu peso, faça porque é bom ter um corpo que te permite fazer mais e melhor.


Faça sem pressa. Divirta-se com os exercícios. Descubra novos sabores de alimentos saudáveis.


Não se odeie, já há ódio demais no mundo.

Sorria. Conheça pessoas. Saia da sua zona de conforto. Explore o mundo. Ame mais. Aproveite essa experiência louca que é viver.


A gente não sabe do próximo segundo, às vezes você pode estar atravessando a mesma rua de sempre no mesmo caminho de sempre, um carro aparecer do nada e você não ter a mesma sorte que eu tive pra escrever essa carta pra alguém.



São tantos motivos pra agradecer e ser feliz a cada dia, não deixe o seu peso ser o norte de como você vai viver, não deixe que isso defina a sua felicidade.




Com muito amor,




Ana











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